Não são muitos os super-heróis
que possuem uma clara posição política. Podemos citar o Codinome V da graphic novel de Alan Moore que tomou o
mundo em máscaras de manifestantes e o anti-herói Anarquia que agora sairá dos
quadrinhos aparecendo no game Batman
Arkham Origns e no desenho animado Beware
The Batman, ambos pregam o anarquismo, conceito onde cada indivíduo depende
de suas próprias forças e não de liderança.
Mais difícil ainda é encontrar
personagens mais consagrados com tais pensamentos definidos, podemos lembrar-nos
do Capitão América e seu nacionalismo/patriotismo, o Arqueiro Verde que é
abertamente esquerdista e o Questão é um libertário de direita e conspirador
antigoverno.
Esse meu texto surge, depois
que li uma afirmação na internet que coloca Batman como um apolítico, que não
se interessa por política, e por isso não poderia ser usado como tal. Segue a
afirmação:
“Peraí. Você está pegando o Batman,
um personagem AVESSO à política, que luta FORA do sistema contra CRIMINALIDADE
e fazendo-o tomar partido numa disputa política? É quase a mesma coisa que
dizer que o Superman é do PMDB. Isso me deu vontade de vomitar...”
Como personagem, Batman, não é
um ser existente, então cada um pode ter sua interpretação dele, afinal são
mais de 70 anos de histórias. Porém, vamos colocar alguns fatos que ligam o
herói a política.
Primeiro, o básico, todas as
relações humanas são políticas. O nosso modo de negociar, de tratar o semelhante,
de se expressar, de lidar com situações, daí, o termo “política da boa vizinhança”,
por exemplo.
Também quero explicar que na
democracia em que vivemos no Brasil, temos em principal duas linhas
ideológicas:
A Direita – que é conservadora,
prezando a eficácia dos serviços, e não tanto o individuo humano. E que não é
por si só uma ditadura ou fascismo.
A Esquerda – que preza um
estilo de vida mais igualitário, voltado mais ao ser humano. E que não é por si
só um comunismo.
O problema no Brasil é que nenhum
dos lados caminha bem, a direita não oferece bons serviços e a esquerda no
poder se torna um meio termo, uma centro-esquerda que cria um assistencialismo,
que em vez de dar condições ao cidadão de emergir socialmente, o torna escravo
de alguma “renda-miséria”.
Isso ocorre, porque não temos
mais estadistas que prezam pela nação e sim politiqueiros, que só visam favores
econômicos a determinados grupos.
Mas, vamos falar de Batman,
pois bem, para começar seu alter ego, Bruce Wayne, Na história “O Senador foi
baleado”, publicada em The Brave and The Bold #85, setembro de 1969 (no Brasil,
mais recentemente em Batman Saga #1, da Opera Graphica), o playboy milionário é
nomeado senador pelo governador, para substituir um amigo em coma. O Senador
Wayne só participou de uma única votação, e foi justamente uma “lei
anti-crime”.
Nos anos 90, Bruce Wayne foi
até o Congresso clamar para que os Estados Unidos não abandonassem Gotham City,
que havia sido arrasada por um terremoto.
Isso já coloca Batman em um
cenário mais político, mas vamos mais fundo. Nos anos 70, o argumentista Gerry
Conway criou para o personagem uma longa série de acontecimentos em que Gotham
fora tomada por um grupo de políticos corruptos, que tiraram o comissário
Gordon de seu posto e lançaram Batman ao status de inimigo número 1 da
sociedade gothamita.
Batman teve de enfrentar um
intricado esquema de fraudes os denunciando com ajuda de Vicky Vale para
restabelecer a ordem da cidade, dentre isso derrubou um candidato a prefeito da
cidade, garantido a vitória de outro. (Essa história foram publicadas na extinta
revista SuperAmigos da Abril Jovem nos anos 80 e em SuperPowers #4).
Já nos anos 2000, Lex Luthor
estava prestes a se tornar presidente dos EUA, Batman então procurou Superman
para acharem um podre que impedisse a candidatura, o que interviria nas
eleições. O Homem de Aço, porém, se negou e disse que preferia que o povo
americano desse sua resposta. No fim, o vilão foi eleito.
Pois bem, acredito que você
que não achava que Batman se envolvia com política, começa há pensar um pouco mais...
Porém, não é tudo, vamos ver um pouco mais...
Sem dúvidas a versão que mais joga Batman na política é a de
Frank Miller. Na minissérie Ano Um, Batman parte para se apresentar aos
poderosos da cidade, entre eles, gangsteres, políticos e policiais corruptos,
durante um jantar, onde solta:
“Senhoras e senhores... Vocês comeram bem. Comeram a riqueza
de Gotham, comeram seu espírito! O banquete acabou. De hoje em diante, nenhum
de vocês estará a salvo.”
Batman poderia apenas enfrentar criminosos de rua, mas o
autor fez questão de o colocar contra o sistema vigente. A grande obra de Miller, O Cavaleiro das
Trevas, coloca o herói ainda mais num ambiente político. Na história, apenas o
retorno de Batman, contrariando uma lei-anti-vigilantismo já sacode todo os
EUA, o tornando um problema de Estado.
É importante frisar que o Superman sempre teve um papel
governista nas HQs, não que ele seja mal por isso, é uma visão política. Superman
sempre está em contato com presidentes e políticos, sendo até um porta-voz
entre a comunidade heroica. Existem episódios em que ele se volta contra o
governo, como em o Reino do Amanhã, o que mostra que ele segue sua própria
ideologia, mas que é um governista, quero dizer, não importa que lado governe,
Superman estará lá.
Em O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, a posição do
Homem de Aço é ainda mais exacerbada, e quando o presidente pede que ele acabe
com a “ameaça Batman”, ele executa sem titubear.
Um pequeno adentro, na década de 90, a DC criou uma
minissérie chamada Armageddon 2001, e um dos capítulos mostrava um Superman enlouquecido,
quase fascista de si próprio, e nessa
realidade, ocorre o contrário, o presidente pede ao Batman para acabar com a “ameaça
Superman”. Batman nega na hora, só depois ele enfrentaria Superman, mas por
descobrir que ele realmente matou algumas pessoas e estava fora de controle.
Voltando ao Cavaleiro das Trevas de Miller, a presença de
Batman fazia os americanos questionarem em seus papéis de cidadão. Então temos uma cena incrível em que Batman
junta um grupo de jovens desordeiros para manter a ordem durante um momento de
caos, bradando em cima de um cavalo:
“Esta noite nós somos a lei (...). Rapazes... Meninas...
Estou aqui para apelar ao seu espírito comunitário. Sei que todos estão
ansiosos para ajudar...”
Na sequência temos o confronto com Superman, onde fica ainda
mais claro a posição dos dois com as palavras do Homem-Morcego:
“Poderíamos ter mudado o mundo... Agora... Olhe para nós...
Eu me tornei um risco político... E você... Você, uma piada...”
Lembrando que em seu ato Batman, tinha o esquerdista,
Arqueiro Verde ao seu lado. No fim, Bruce Wayne finge sua morte e une um grupo
de jovens para se prepararem para o futuro com a seguinte questão:
“Aqui tem inicio... Um exército... Pra trazer sentido ao
mundo infectado por algo pior do que ladrões a assassinos.”
Quase 20 anos depois, nos anos 2000, Miller criou a sequência
de sua obra, O Cavaleiro das Trevas 2, mas que de tão ruim nem merece ser
considerada uma continuação. Ainda assim, há momentos desafiadores.
Os EUA estão ainda mais fascistas, o que leva Batman a
dizer:
“Tente varrer para debaixo do tapete. (...) É a Era da
Informação (...) Vocês não podem me calar... E nem me deter.”
Outro momento crucial e atual é quando Batman invade um show
e convoca os jovens com as seguintes palavras:
“(...) Aproveitar um modismo... Uma tendência passageira...
E transformá-la numa revolução.”
Desculpe, pode ser uma interpretação minha ver alguma similaridade
desta cena com as manifestações que começaram com míseros 0,20 centavos.
O que acredito é que Batman, assim como os brasileiros nas
ruas, é apartidário, ele não luta por uma bandeira, mas por aquilo que julga
certo para o bem comum, onde enfrentar criminosos é primário.
A versão para o cinema de Christopher Nolan também bebe
dessa fonte, mostrando em Batman Begins a reação dos ricos e poderosos ao
aparecimento do herói e o motivo de Ra’s Al Ghul querer destruir aquela
sociedade decadente. Já na continuação, o Coringa nos mostra a destruição que
um louco pode causar atacando os alicerces da sociedade política – O que vemos ali,
ataques a autoridades policiais, juízes, prefeitos, e promotores públicos:
“Mate um policial aqui e ninguém liga, pois faz parte do ‘plano’,
mas ameaçar um prefeitinho? Aí as coisas ficam loucas”
Aliás, muita gente definiu o Coringa erroneamente como
anarquista. Anarquia significa ausência de coerção e não ausência de ordem, e o
próprio Palhaço do Crime se intitula um “Agente do Caos”.
E no terceiro filme, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Batman
enfrenta um falso líder socialista, com a ajuda dos policiais destituídos, o
que colabora com a tese de que Batman é alguém sem lado e apartidário, porém,
de forma alguma apolítico. Nosso momento não nos coloca contra o sistema, e sim contra uma corrupção política.
Mesmo com essa conclusão, vou abrir uma brecha e me dar ao
direito de te fazer questionar apenas com uma metáfora de simbolismo:
Superman – Super-poderoso (qualidade de ação), não-humano,
governista – seria ele simbolicamente de Direita?
Batman – Sem-poderes (igualitário), humano, capitalista
moderado – já que se preocupa com fundações e investimentos sociais – poderia ser,
simbolicamente, de esquerda?
Não me mate ainda. Tudo depende da abordagem da história e
da sua interpretação.
Seja como for, apolíticos, eles não são.
Bom se gostou e acha que sei de algo leia meu livro, Batman –
A Trajetória é só pedir pelo site da editora.
#vemprarua
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